9 de novembro de 2014

A cabeça de todas as igrejas



                   A Igreja celebra com esplendor a festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão, que ostenta o título honorífico de  “Mãe e cabeça de todas as igrejas da cidade [de Roma] e do mundo”. É ela a Catedral do Papa, ao contrário do que se costuma pensar devido ao papel hoje desempenhado pela Basílica de São Pedro, a qual, na verdade, é apenas uma das quatro basílicas papais da Cidade Eterna.
                  Até o exílio dos Papas em Avignon, no século XIV, viviam eles no Palácio de Latrão, antiga propriedade da família Laterano, nome pelo qual ficou conhecido. O cônsul romano Pláucio Laterano, por suspeita de conspiração, foi morto pelo infame Nero que lhe confiscou os bens, dentre os quais esse edifício, na mesma época em que movia a perseguição aos cristãos. Não imaginava o tirano que, anos mais tarde, tudo aquilo seria doado à Igreja pelo Imperador Constantino, e tornar-se-ia residência dos sucessores de Pedro e primeira Basílica da Cristandade. O Papa São Silvestre dedicou-a no ano 324.
                  Nesta Basílica encontramos não só vestígios de variados estilos artísticos, graças às obras de embelezamento e ampliação realizadas ao longo dos séculos, mas também numerosas e valiosíssimas relíquias. Dentre as principais contam-se a mesa onde foi celebrada a Santa Ceia (cf. Mt 26, 20-28; Mc 14, 18-24; Lc 22, 14-17), parte do tecido purpúreo com que os soldados revestiram o Divino Redentor na Paixão (cf. Mc 15, 17; Jo 19, 2), as cabeças de São Pedro e de São Paulo, e a taça na qual São João Evangelista, segundo uma antiga tradição, foi obrigado a tomar um veneno que, por milagre, não lhe fez mal.
                 Um elo entre o Céu e a Terra
                 Por ser a Catedral de Roma, São João de Latrão possui um estreito vínculo com a pessoa do Sumo Pontífice, elo entre nós e a eternidade: “tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt 16, 19). Devido a esta prerrogativa a Basílica passou a ser um símbolo da unidade da Igreja.
                Convém ainda levarmos em consideração que, em sua sabedoria, a Santa Igreja estabelece o Ciclo Litúrgico, dentre outras razões, com o intuito de prolongar pelos séculos afora as graças concedidas no momento histórico comemorado. E assim como ao celebrar cada Natal com verdadeira piedade somos favorecidos com as bênçãos dadas a Nossa Senhora, São José e aos pastores no Presépio, na festa de hoje somos convidados a participar das graças e da alegria sobrenatural dos católicos de Roma quando o Papa tomou posse de sua sede episcopal oficialmente, podendo gozar de plena liberdade religiosa.

Nascida sob o signo da perseguição
                Para melhor compreendermos a importância desta data, lembremo-nos de que a Santa Igreja Católica nasceu sob o signo da perseguição, em circunstâncias por vezes tão violentas que obrigavam os primeiros cristãos a se refugiar nas catacumbas — os cemitérios cristãos — para praticar o culto. Era costume na Roma Antiga escavar extensas galerias subterrâneas, verdadeiros labirintos, nas quais sepultavam os mortos. Transitar por elas era perigoso, pois quem o fizesse podia se perder com facilidade, sem ter como retornar. Nas épocas de perseguição, os irmãos que nos precederam com o sinal da Fé precisavam embrenhar-se nessas profundezas — naquele tempo sem dispor de luz elétrica —, com grande risco de serem denunciados, presos e supliciados. No Coliseu e no Circo Máximo grande número de cristãos manifestaram sua adesão à Fé com a própria vida, ao serem mortos pelas feras na arena diante do público ou em meio a terríveis tormentos.
                Nas catacumbas também se comemorava devotamente o aniversário do martírio dos que tinham derramado o sangue para dar testemunho de Cristo, junto a seus restos mortais lá conservados, costume que deu início à veneração das relíquias dos Santos. Três séculos de fidelidade nessa situação nos mostram, sem dúvida, a extraordinária força da Igreja em seu nascedouro!
                A liberdade de culto outorgada por Constantino com a promulgação do Edito de Milão, em 313, por influência de sua mãe Santa Helena, e o consequente pulular de incontáveis igrejas por todo o império — dentre as quais a Basílica de Latrão ocupa um posto proeminente — representaram para os fiéis indescritível alívio e alegria. Expressivo é o testemunho de Eusébio de Cesareia ao retratar o exultar do povo cristão com o advento dessa nova era da História da Igreja: “um dia esplendoroso e radiante, sem nuvem alguma que lhe fizesse sombra, ia iluminando com seus raios de luz celestial as igrejas de Cristo pelo universo inteiro, [...1 transbordávamos de indizível gozo, e para todos florescia uma alegria divina em todos os lugares que pouco antes se encontravam em ruínas pela impiedade dos tiranos, como se revivessem, depois de uma longa e mortífera devastação. E os templos surgiam de novo desde os fundamentos até uma altura imprevista, e recebiam uma beleza muito superior à dos que anteriormente haviam sido destruídos”. Por isso a festa da Dedicação da Basílica do Latrão foi instituída em Roma, expandindo-se mais tarde, e hoje consideramos com júbilo esse templo grandioso, que até nossos dias impressiona por seu esplendor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário