20 de junho de 2016

O tribunal da misericórdia



          Nos dois últimos fins de semana o sacerdote arauto Pe. Arnóbio José Glavam, proferiu duas palestras sobre o Sacramento da Confissão, para os cooperadores do Sodalício de Nossa Senhora da Saúde, da capital paulista.



            Eis um apanhado que dá uma ideia do tema tratado pelo expositor:

           A Confissão é um dos mais palpáveis sinais da bondade de Deus. Gravemente ofendido por aquele que peca mortalmente, Ele tem poder para fulminar com uma sentença de eterna condenação o pecador, e ao fazê-lo, praticaria apenas um ato de justiça. Deixou-nos, entretanto, este Sacramento por meio do qual perdoa ao penitente todos os pecados, por mais graves e numerosos que sejam.
           É bastante conhecido o episódio da primeira aparição do Divino Mestre a seus discípulos, após a Ressurreição. Com medo de serem, também eles, perseguidos e condenados, estavam reunidos numa sala com as portas fechadas, quando de repente apareceu-lhes Jesus. Soprando sobre eles, disse nosso Redentor: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo 20, 22-23). Estava instituído o Sacramento da Confissão!
           Assim, desde os primórdios da Igreja os fiéis procuraram os Apóstolos para confessar-lhes suas faltas, e receber deles a absolvição. Esse poder de perdoar, dado por Cristo à sua Igreja, é conferido aos presbíteros através do Sacramento da Ordem. E é assim que foi passando de geração em geração através dos séculos até os nossos dias.
            Claro está que Deus poderia perdoar os pecados de outra maneira,  mas expressou claramente sua vontade de fazê-lo através de um sacerdote no Sacramento da Reconciliação: "Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes sobre a Terra será também desligado no Céu" (Mt 18, 18), disse Jesus aos Apóstolos. Como nos beneficiarmos desse Sacramento?
           Deus sumamente misericordioso é também justo. Ele quer que, para utilizarmos bem esse maravilhoso recurso, nos submetamos a algumas condições sem as quais a Confissão não só de nada nos serviria, mas se tornaria nociva para a alma.
           Quais são esses requisitos? Sintetizando, a Igreja nos ensina que cinco coisas são imprescindíveis para uma boa Confissão: fazer um bom exame de consciência, ter dor dos pecados, fazer o propósito de não mais cometê-los, confessá-los e cumprir a penitência imposta pelo confessor. Mas em que consiste precisamente cada uma dessas exigências?

            O exame de consciência
            Antes de tudo, deve-se fazer um exame de consciência. O fiel desejoso de obter o perdão de suas faltas, precisa antes auscultar sua alma, para saber quais pecados ainda não foram confessados. Não é necessário trazer à memória os pecados de toda a vida, mas apenas os cometidos desde a última Confissão bem feita.
            O exame de consciência precisa ser feito com cuidado, sem precipitação. É importante rememorar os pecados cometidos por pensamentos, palavras, atos e omissões, percorrendo, para esse fim, os Mandamentos da Lei de Deus e da Igreja, a lista dos pecados capitais e as obrigações de nosso próprio estado. O exame deve abranger também os maus costumes a serem corrigidos, e as ocasiões de pecado a serem evitadas.
            Mas a Igreja, como boa mãe, nos recomenda também evitar de nos deixarmos levar pela exagerada preocupação de ter esquecido alguma falta ou circunstância. Certa vez, Santa Margarida Alacoque, inquieta e perturbada, estava fazendo com excessivo cuidado seu exame de consciência para a Confissão. Apareceu-lhe então o próprio Nosso Senhor e a tranquilizou: "Por que te atormentares? Faze o que podes. Eu amo os corações contritos que se acusam sinceramente dos pecados que conheçam, com a vontade de não mais desagradar-Me".
            Qualquer pessoa, seja por deficiência de memória, seja por relaxamento, pode sentir dificuldade em rememorar os pecados ainda não confessados. Sem a ajuda de Deus, ninguém consegue fazer nada bem. Por isso, é muito adequado começar o exame de consciência com uma oração, pedindo-Lhe, através de Nossa Senhora ou de nosso Anjo da Guarda, que ilumine nossa mente para reconhecermos todas as nossas faltas e nos dê força para detestá-las.
            Quantas vezes pequei? Eis uma importante pergunta a ser feita. Um soldado recebeu em combate três graves ferimentos. Levado ao hospital, mostrou ao médico só duas de suas feridas; ocultou a terceira, movido por um tolo sentimento de vergonha. De nada adiantou o médico ter curado as duas lesões que conhecia, pois o soldado morreu em decorrência do agravamento da terceira. Ora, a Confissão também é um ato de cura. Se quisermos reatar  nossa amizade com Deus, e termos a alma curada das chagas de nossos pecados, devemos pedir perdão de todos e cada um deles. Por isso, em se tratando de pecados mortais - faltas em matéria grave, com pleno conhecimento e pleno consentimento da vontade -, deve-se investigar tudo; inclusive, na medida das possibilidades, quantas vezes foi praticado determinado ato pecaminoso, e em que circunstâncias. É relevante relatar na Confissão as situações que agravam o pecado. Por exemplo, roubar de um pobre é mais grave que de um rico. Tratar mal os pais, a quem devemos a vida, é mais grave do que fazer o mesmo a um colega da escola. As circunstâncias agravantes devem ser apontadas porque o sacerdote, para perdoar, precisa conhecer com clareza os pecados. Da mesma forma como um médico, ao atender um paciente, precisa primeiro avaliar bem o quadro da doença, a fim de poder aplicar-lhe o remédio mais adequado. Se omitirmos essas informações por malícia, a Confissão será mal feita, portanto, nenhum pecado será perdoado.

Ter dor dos pecados
           O mais importante para o penitente obter o perdão de Deus é o arrependimento, ou seja, ter um desgosto pela falta cometida e uma vontade firme de não mais recair nela. Naturalmente, não há necessidade de derramar lágrimas pela dor dos pecados, mas é preciso no íntimo do coração se lamentar de ter ofendido a Deus, mais do que se nos tivesse ocorrido qualquer outra desgraça.
           Sem arrependimento, a Confissão não tem nenhum valor. Não é possível obter o perdão de Deus sem odiar a falta cometida, sem a disposição de jamais repeti-la. Essa postura de alma deve estender-se a todos os pecados mortais, sem exceção. E para obter o perdão de nossas faltas na Confissão, basta um arrependimento por medo dos castigos acarretados pelo pecado - a atrição -, embora o melhor seja que nos arrependamos por termos ofendido a Deus - a contrição.
           O arrependimento também abrange a confiança na misericórdia divina pois, a dor dos pecados sem essa virtude poderia dar em desespero.

           O firme propósito
           Havendo, de fato, arrependimento pelos pecados cometidos, se produzirá na alma o propósito, a firme vontade, resolutamente determinada, de nunca mais repeti-los e de fugir das ocasiões próximas, de evitar tudo o que induz ao mal: pode ser uma pessoa, um objeto, um lugar ou mesmo uma circunstância que me põe em perigo de ofender a Deus.

           Devo humildemente me acusar?
           Primeiramente é preciso, seguindo o mesmo princípio do exame de consciência, contar ao padre todos os pecados mortais cometidos após a última Confissão bem feita. Se alguém oculta um só pecado grave propositalmente na Confissão, além de não receber o perdão de nenhum, acaba cometendo outro, por estar ofendendo algo sagrado instituído pelo próprio Cristo. Ou seja, é ao próprio Jesus que se está mentindo.
           A Confissão deve ser sincera. O penitente deve acusar ao sacerdote os seus pecados com objetividade, evitando desnecessárias delongas, que podem até prejudicar a clareza da matéria.A falta de sinceridade quanto à maneira de acusar os pecados é outra tentação do demônio contra a qual é imprescindível precaver-se. E também as desculpas podem ser ocasião de tentação: justificar os pecados, criando atenuantes, não se reconhecendo inteiramente culpado de suas próprias faltas ou colocando a culpa nos outros.

           Por fim, devo cumprir a penitência
           No fim da Confissão, o sacerdote impõe a penitência também chamada de satisfação. Em geral é uma oração ou uma obra boa, que o confessor ordena ao penitente como expiação de seus pecados.
           Pelo nosso senso de justiça, sabemos que a toda ofensa deve corresponder uma reparação proporcional. O mesmo princípio se aplica a Deus: quando ofendido, Ele também merece uma reparação. Se a ofensa contra Deus é grave, o pecador merece o inferno, pois a punição reparadora deve ser proporcional ao ofendido: neste caso, eterna. Mas a Confissão sacramental, além de perdoar a culpa do penitente, apaga a pena eterna, que é comutada numa pena temporal. Por isso, quando alguém se confessa, seus pecados estão completamente perdoados, mas sua dívida com Deus ainda não foi inteiramente paga. Por isso o sacerdote impõe a penitência após a Confissão: ela tem o objetivo de reparar o mal cometido contra Deus. Entretanto, pode ocorrer de ser perdoada a pena temporal inclusive na própria Confissão; quando o penitente tem uma extraordinária dor por seus pecados.

           Deus perdoa os que se confessam bem
           Tudo na vida deve ser levado a sério e mais ainda as coisas relacionadas com Deus. Por isso, devemos praticar com muita fidelidade os ensinamentos da Igreja acerca do Sacramento da Confissão, sempre confiantes de que, através dele, são perdoados todos os nossos pecados, somos auxiliados a não recair neles e nos é restituída a paz de consciência.
            Certa vez, apresentou-se a Santo Antônio de Pádua um grande pecador para confessar-se. O coitado estava tão confuso que mal conseguia falar. Chorava e soluçava com tanta veemência que não conseguia exprimir ao Santo nenhuma de suas faltas. Para ajudá-lo o confessor sugeriu-lhe docemente que fizesse um exame de consciência escrito:
            - Vai, escreve os teus pecados e, depois, volta para confessá-los.
            O penitente seguiu o conselho. Depois, leu no confessionário as suas faltas, tal como as havia escrito. Assim que terminou a Confissão, grande milagre! O papel onde o pecador havia escrito cuidadosamente suas ofensas a Deus ficou completamente em branco, pois tudo o que havia sido escrito desaparecera!
            Este prodígio muito nos consola e anima para nos aproximarmos com retidão e confiança do Sacramento da Penitência, que é capaz de destruir em nós o pior mal que existe, o pecado. Nosso Senhor instituiu este Sacramento para todos os membros pecadores da sua Igreja, dando-lhes uma nova possibilidade de se encontrarem com Deus e de restaurarem a amizade com Ele.
            Somente a Confissão bem feita perdoa de fato os pecados. Se alguém, por malícia ou vergonha, deixasse de acusar-se de um ou mais pecados, sua Confissão seria inválida. (Revista Arautos do Evangelho, n.149, Maio/2014, p. 33 à 37)
          

Nenhum comentário:

Postar um comentário