
Saulo passara alguns anos fora de Jerusalém, que
coincidiram com o período da vida pública de Jesus. Quando voltou,
verificou uma grande mudança. A Cidade Santa não era a mesma que ele
conhecera em seus tempos de estudante: após a tragédia da Paixão, pesava
sobre a consciência do povo e, sobretudo, das autoridades a figura
ensangüentada da Vítima do Gólgota, que eles em vão procuravam lançar no
esquecimento. E mais: os discípulos daquele Homem não temiam pregar sua
doutrina no próprio Templo, proclamando que esse Jesus a quem haviam
matado ressuscitara dos mortos (cf. At 3, 11ss.).
Tais acontecimentos não podiam deixar indiferente um
fariseu convicto como Saulo. Não compreendia que aqueles simples
galileus se levantassem impunemente contra a religião de seus
antepassados, arrastando atrás de si tamanha multidão de seguidores. Sua
irritação chegou ao auge quando, estando na sinagoga chamada dos
Libertos, onde semanalmente se reuniam judeus de todas as comunidades da
Diáspora, deparou- se com um jovem chamado Estêvão, que anunciava
denodadamente as glórias do Crucificado.
O jovem Saulo sentia-se incomodado: as palavras de Estêvão
eram tão inspiradas e convincentes, que não se lhe podia resistir
Momentos mais tarde, tendo sido apresentado Estêvão ao
tribunal do Grande Conselho, Saulo escutou atentamente o longo discurso
no qual este demonstrou, por meio de exemplos históricos e de profecias,
ser Jesus o Messias esperado. O jovem fariseu sentia-se incomodado: as
palavras de Estêvão eram tão inspiradas e convincentes, que não se lhe
podia resistir (Cf. At 6, 10); de outro lado, a imagem desse Jesus
Nazareno, que ele não conhecera, parecia perseguilo, e constantemente
via-se obrigado a ouvir falar a respeito, de tal modo os seus adeptos se
espalhavam por Jerusalém. Duro lhe era recalcitrar contra o aguilhão
(cf. At 26, 14). E, entretanto, Saulo recalcitrava!
Indignado diante da coragem de Estêvão, aprovou
entusiasticamente sua morte (cf. At 8, 1) e considerou como uma honra a
missão de custodiar os mantos dos apedrejadores, uma vez que sua idade
não lhe permitia levantar a mão contra o condenado.

Surge o perseguidor dos cristãos
A partir daquele dia, o exaltado discípulo de Gamaliel
não pôs mais freio à sua fúria. Acreditando "que devia fazer a maior
oposição ao nome de Jesus de Nazaré" (At 26, 9), entrava nas casas dos
fiéis e arrancava delas homens e mulheres para entregálos à prisão (cf.
At 8, 3); chegava a maltratá-los para obrigá-los a blasfemar (cf. At 26,
11). Não contente com devastar apenas a Igreja de Jerusalém, foi
apresentar-se ao príncipe dos sacerdotes, pedindo-lhe cartas para as
sinagogas de Damasco, com o fim de prender, nessa cidade, todos os que
se proclamassem seguidores da nova doutrina (cf. At 9, 2).
Mas, esse Jesus a quem ele teimava em perseguir (At 9, 5),
viria a atravessar- Se de novo em seu caminho, desta vez de modo
definitivo e eficaz.
No caminho de Damasco
Podemos imaginar a ânsia do jovem Saulo ao aproximar-se de
Damasco, antegozando a hora de saciar sua cólera no cumprimento da
missão que se propunha. Mas eis que, subitamente, uma luz
fulgurante vinda do Céu envolveu-o e a seus companheiros, derrubando-o
do cavalo. Ali, caído por terra e cegado pelo resplendor dos raios
divinos, o orgulhoso fariseu não pôde mais resistir ao poder de Cristo e
declarou-se vencido: "Senhor, que queres que eu faça?" (At 9, 6).
De perseguidor que era, poucos instantes antes, passava a
servo fiel, pronto para obedecer aos mandatos do Divino Perseguido.
Quanta glória para o Crucificado! Por um simples toque de Sua graça,
transformara em Seu Apóstolo um dos mais ferventes discípulos daqueles
que haviam sido seus principais contendores, durante sua vida pública.
Ajudado por seus companheiros, Saulo ergueu-se do chão.
Entretanto, mais do que levantar-se do solo, surgiu em sua alma "o homem
novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade" (Ef
4, 24). O blasfemador de outrora permaneceria para sempre prostrado num
amoroso reconhecimento de sua derrota: "Jesus Cristo veio a este mundo
para salvar os pecadores, dos quais sou eu o primeiro. Se encontrei
misericórdia, foi para que em mim primeiro Jesus Cristo manifestasse
toda a sua magnanimidade e eu servisse de exemplo para todos os que, a
seguir, nEle crerem, para a vida eterna" (I Tm 1, 15-16).

Saulo converte-se em Paulo
Com a mesma radicalidade com que outrora se apegara ao
judaísmo, Saulo abraçava agora a Igreja de Cristo. A graça respeitara a
natureza, conservando as características próprias de sua personalidade
que viriam mais tarde a contribuir na formação da escola paulina de vida
espiritual. A partir desse momento, o Saulo convertido, o novo Paulo,
só se moveria por um único ideal, que tomava todas as fímbrias de sua
alma e dava verdadeiro sentido à sua existência: "Quanto a mim, não
pretendo, jamais, gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus
Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu para o mundo"
(Gl 6, 14).
Doravante essa Cruz - na qual Paulo não apenas considerava
os sofrimentos do Salvador, mas via, sobretudo, os esplendores da
Ressurreição - seria para ele o rumo de sua vida, a luz dos seus passos,
a fortaleza de sua virtude, o seu único motivo de glória. Esse amor,
que num instante operara a sua transformação, o impelia agora a falar, a
pregar, a percorrer os confins do mundo a fim de conquistar almas para
Cristo, arrancando-lhe, do fundo do coração, este gemido: "Ai de mim se
eu não evangelizar!" (I Cor 9, 16).
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